26/02/2014

Informação somente sob pressão - Barreiras sistemáticas à informação

Sob pressão da Controladoria-Geral da União, Itamaraty recua e informa o número de Auxiliares Locais na Embaixada do Brasil em Pyongyang. 

Além disso, o MRE também se viu obrigado a informar os salários dos Auxiliares Locais e inexistência de reajustes salariais desde 2009.

Mais espetacular que as informações dadas, é, porém, a prática sistemática do MRE: em franca contradição ao espírito da Lei, obstaculariza o acesso à informação, valendo-se de subterfúgios infundados e argumentos pífios, protelando ao máximo o repasse de informações. 

Veja abaixo o dossiê dessa longa história de protelação, engodo e intransparência ativa do MRE.

Notas preliminares:

  1. O documento de base deste dossiê é a decisão da Controladoria-Geral da União (CGU) ao pedido protocolado pelo Sistema de Acesso à Informação ao Cidadão – eSIC (protocolo 09200.000620/2013-90). 
  2. O TEOR desta decisão seguirá abaixo. 
  3. A longa trajetória deste pedido de informação poderia ter sido facilmente evitada. Ao final dos 145 dias que transcorreram desde a apresentação do pedido até a decisão em 3ª instância, um conhecimento é particularmente triste e transtornador: o fato de que o pedido de acesso à informação solicitada deveria ter sido plenamente atendido no máximo em 30 dias. 

Em seu parecer que fundamenta a decisão:

  • A CGU reconhece como legítimo o recurso apresentado; 
  • A CGU observa que o “recurso se atém aos termos do pedido, e que este apresenta requisitos de especificidade necessários à boa avaliação da capacidade responsiva do órgão”. Não se tratou, portanto, de pedido genérico – o que poderia justificar a negativa do mesmo. 
  • A admissibilidade do recurso, segundo a CGU, já “se impõe”, uma vez que o mesmo “se insurge contra negativa de acesso à informação pública não classificada”. 
  • A CGU atesta que o MRE, como órgão recorrido, “não agiu no intuito de apresentar resposta satisfativa até o início da instrução” do recurso
  • Somente após a intervenção da CGU o Itamaraty respondeu satisfatoriamente a consulta legítima. É de se supor que a mudança de postura do Itamaraty só se deu porque este Ministério anteviu que a decisão da CGU seria em favor do requerente. 

De antemão, algumas tristes conclusões

  1. Salta aos olhos que, ao repassar a informação solicitada, o Itamaraty reconhece tacitamente a legitimidade não só da solicitação, mas também dos argumentos elencados nos recursos apresentados. Pelo menos no parecer da CGU não há qualquer menção de que o MRE tenha contestado de qualquer forma quaisquer dos argumentos apresentados pelo recorrente
  2. Além de demonstrar como o Ministro Luiz Alberto Figueiredo Machado foi pessimamente assessorado nesta matéria, permanecem obscuros os motivos que levaram o Itamaraty a negar o pedido, protelar prazos, ignorar a argumentação do interessado. O que o Itamaraty ganhou com isso? 
  3. Por isso, é forçoso crer que o verdadeiro motivo do Itamaraty em não atender prontamente à solicitação de acesso à informação é realmente incompatível com a Lei de Acesso à Informação, marco sem igual da consolidação da democracia e estado de direito no Brasil. 
  4. O curioso de tudo é que, na decisão da CGU, foi proferida a “perda do objeto”, por conta de reposta superveniente do Itamaraty. Isto é, o objeto do recurso se perdeu, pois o Itamaraty antecipou sua própria derrota. É como aquele que diz: antes de cair, me atiro no chão! 

Dossiê

23/09/2013 – Apresentação do requerimento


Em 23 de setembro de 2013 foi protocolado o pedido de acesso à informação 09200.000620/2013-90 ao MRE. Este pedido de informação é um dos mais de 200 protocolados no Sistema de Acesso à Informação, na tentativa de obter informações do MRE sobre a política salarial e trabalhista de Auxiliares Locais.
No caso específico deste requerimento, a informação solicitada refere-se aos Auxiliares Locais na “Embaixada do Brasil em Pyongyang, na República Popular Democrática da Coréia do Norte”:

Solicito as seguintes informações sobre a seguinte representação diplomática do Brasil: Embaixada do Brasil em Pyongyang, na República Popular Democrática da Coréia do Norte:
a) Qual é o número atual de Auxiliares Locais contratados nesta repartição diplomática para os empregos de: Auxiliar de Apoio; Auxiliar Administrativo; Auxiliar Técnico; Assistente Técnico?
b) Qual é a média salarial bruta atual de cada um destes grupos de Auxiliares Locais desta representação?
c) Qual é o menor salário bruto atual de cada um destes grupos de Auxiliares Locais?
d) Qual é o maior salário bruto atual de cada um destes grupos de Auxiliares Locais?
e) Em que mês de que ano foi concedido aos Auxiliares Locais contratados o último reajuste salarial? – Qual foi o índice percentual deste reajuste salarial?
f) Em que mês de que ano foi concedido aos Auxiliares Locais o penúltimo reajuste salarial? – Qual foi o índice percentual deste reajuste salarial?

20º dia 

14/10/2013 – Prorrogação injustificada do prazo inicial de resposta


Pela Lei de Acesso à Informação, o órgão consultado tem 20 dias para responder ao pedido.
Este prazo pode ser prorrogado por mais 10 dias, “mediante justificativa expressa”.
O que o MRE fez? – Informou literalmente na última hora do vigésimo dia que estaria prorrogando o prazo "tendo em vista o melhor atendimento da solicitação em tela”.

30º dia 

24/10/2013 – Primeira Negativa do MRE ao pedido de acesso à informação


Igualmente literalmente na última hora do prazo legal, o Itamaraty nega o acesso nos seguintes termos:
"Em atenção à sua solicitação de informação protocolada pelo Serviço de Informação ao Cidadão, vimos esclarecer que o inciso III, do art. 13 do Decreto nº 7.724/2012 dispõe que não serão atendidos pedidos de acesso à informação que exijam trabalhos adicionais de análise, interpretação ou consolidação de dados ou informações. Considerando que a informação solicitada não se encontra consolidada, o presente pedido não poderá ser atendido."
A alegação é que “o pedido exige tratamento adicional de dados”.

30º dia 

24/10/2014 – Recurso em primeira instância


Na mesma data da negativa foi apresentado recurso foi com o argumento, claro para qualquer cidadão, que um órgão como o MRE não pode não ter dados consolidados sobre os contratados locais!

35º dia 

29/10/2013 – Resposta de recurso em primeira instância


O prazo para responder a recursos é de cinco dias. Seguindo seus bons costumes, o MRE responde na última hora do quinto dia, indeferindo novamente o pedido, seguindo a mesma argumentação da negativa inicial.

39º dia

02/11/2013 – Recurso em 2ª Instância


Entre outros argumentos, mostrou-se que a consolidação dos dados solicitados é matéria de normatização do próprio MRE, ou seja, se fosse verdade a alegação apresentada nas negativas, o MRE estaria descumprindo suas próprias normas administrativas.
Além disso, foram solicitados os documentos primários, isto é, os despachos telegráficos de autorização de pagamento de salários, através dos quais a consolidação das informações solicitadas poderia ser feita pela própria pessoa interessada.

48º dia 

11/11/2013 – Negativa em 2ª instância


Desta vez, foi o próprio Ministro das Relações Exteriores que, na última hora do último dia do prazo legal, afirmou não haver dados consolidados “referentes ao número de Auxiliares Locais, aos salários brutos pagos e aos reajustes salariais”.
O pedido de acesso aos respectivos despachos telegráficos foi simplesmente ignorado, embora exista obrigação legal de fornecê-los, se solicitados, pois não têm classificação com grau de sigilo. 

49º dia 

12/11/2013 – Apresentação de Recurso à Controladoria-Geral da União - CGU

"Apresento recurso à Controladoria-Geral da União pelos seguintes motivos:
O Ministério das Relações Exteriores afirmou por ofício, portanto, com fé pública, em 20 de agosto último, haver “3757 contratados locais” em “227 Postos do Brasil no Exterior”.
É mister crer que, sem dados consolidados, esse número não poderia ser informado com a exatidão expressa no referido ofício, e que, o total de contratados locais no exterior só pode ser averiguado a partir da contagem posto a posto. Concluo que:
a) ou bem o Itamaraty dispõe de dados consolidados sobre o número de contratados locais em cada Posto do Brasil no Exterior,
b) ou bem foi informado, via ofício, um total aleatório de contratados locais, porém, valendo-se do princípio de fé pública, quiz o Itamaraty deliberadamente o ludíbrio, dando por consolidado o que em resposta ao pedido de acesso à informação ora apresentado alega não estar de todo modo consolidado.
Se a primeira alternativa proceder, a negativa ao pedido de acesso à informação é infundada. Caso venha a segunda suposição ser verdadeira, há que se questionar os dados fornecidos e a falta de seriedade no teor do referido ofício.
Ao recorrer em primeira instância, arguiu-se já estarem os dados solicitados na consulta consolidados no “Demonstrativo Sinóptico da Gestão Anual dos Postos do MRE no Exterior“, conforme determina o “Guia de Administração dos Postos de 2011”, aprovado pela Portaria nº 420, de 25/04/11 - GAP/2011 (Cap. 1, 1.1.3 e 1.1.4c.). Ainda mais que, nos termos do próprio GAP, o “Demonstrativo Sinóptico da Gestão Anual” é enviado em formato digital para a Secretaria de Contratados Locais, portanto, com a informação consolidada de cada posto, por força de normatização do próprio Itamaraty.
Ademais, foi solicitada, em primeira instância, cópia digitalizada, dos despachos telegráficos correspondentes aos meses de setembro de 2013 e setembro de 2012, nos quais o Ministério das Relações Exteriores autoriza o pagamento de salários aos Auxiliares Locais da representação diplomática – onde, vale frisar, os dados relativos a remuneração atual dos Auxiliares Locais estão muito bem consolidados . Tudo isso em conformidade com o Parágrafo único do inciso III do art. 13 do Decreto nº 7.724/2012, e nos termos do §2º do Art.7º da Lei 12.527, de 18 de novembro de 2011, e do Art. 11º, parágrafo 5º da referida lei.
Que o órgão solicitado garanta o acesso dessa informação não é facultativo, mas, como a própria Lei determina, impositivo.
Pelo exposto, reitero o pedido de acesso à informação e peço deferimento.
Atenciosamente, 
XXXXXXXXXXXXX"

55º dia 

18/11/13 – Primeira manifestação da CGU


Informa sobre procedimentos e estimativas de prazos
Entre 12/11/13 e 10/12/13 – Análise preliminar da matéria pela CGU

Passada a análise preliminar, a CGU solicita ao Itamaraty cópia da Portaria 420/11, que aprova o Guia de Administração dos Postos – GAP. Pede respeitar o prazo de 10 dias.

87º dia 

20/12/2013 – O Itamaraty responde a consultas da CGU

Desconhecemos se o Itamaraty repassou a cópia solicitada.
Antevendo, contudo, que o próprio GAP normatiza a consolidação de dados relativos ao pedido de informação, ora negado, o Itamaraty repassa à CGU algumas informações solicitadas no pedido de informação.
Mais tarde, (em data não informada no relatório da CGU) atendendo a pedidos de esclarecimentos adicionais da CGU, o Itamaraty complementa as informações.

92º dia 

24/12/2013 – A CGU informa sobre previsão de julgamento para 23/01/2014


122º dia 

23/01/2014 – A CGU informa sobre prorrogação do prazo de julgamento para 24/02/2014


135º dia 

06/02/2014 – O pedido ora negado, renegado e novamente negado é finalmente atendido.



135 dias após ter sido protocolado o pedido de informação, o Itamaraty encaminha e-mail para a requerente, repassando finalmente as respostas ao pedido de informação apresentado em 23/09/2013:

"Prezada [...],

Fazemos referência a recurso dirigido à Controladoria-Geral da União, referente à solicitação nº 09200.000620/2013-90.

Informamos que os contratados locais atualmente empregados na Embaixada do Brasil em Pyongyang subdividem-se em: dois auxiliares administrativos e dois auxiliares de apoio (contínuo e motorista) na Chancelaria e três auxiliares de apoio (cozinheira, arrumadeira e lavadeira/passadeira) na Residência Oficial.

Encaminhamos abaixo tabela com valores dos salários brutos de todos os auxiliares locais na Embaixada do Brasil em Pyongyang, expressos em moeda local (ML), "Won nortecoreano, KPW", acrescentando que, desde a criação da Embaixada em 2009, não houve reajuste salarial dos auxiliares locais, expresso em moeda local, nos termos regulamentares.

Função/cargo
Salário em Moeda Local
Auxliar Administrativo - tempo parcial
KPW 68.773,90
Auxiliar Administrativo - tempo integral
KPW 176.342,40
Contínuo
KPW 55.547,70
Motorista
KPW 55.547,70
Arrumadeira
KPW 42.851,90
Cozinheiro
KPW 55.547,70
Lavadeira/passadeira
KPW 47.612,50

Atenciosamente,
Serviço de Informação ao Cidadão Ministério das Relações Exteriores"


144º dia
13/02/2014 – Data do parecer final do processo


Segue, aqui, extrato do parecer:
"II – Análise

A - Da Admissibilidade

13. Observa-se, preliminarmente, ser legítima a parte demandante e tempestivo o recurso interposto perante esta Controladoria, visto que apresentado dentro do prazo de 10 (dez) dias previsto no art. 23 do Decreto 7.724/2012.
14. Adicionalmente, observa-se que o recurso se atém aos termos do pedido, e que este apresenta requisitos de especificidade necessários à boa avaliação da capacidade responsiva do órgão, afastando-se, destarte, a excepcionante do inciso I do art. 13 do Decerto 7.724/2012.

15. Por fim, o recurso se insurge contra negativa de acesso à informação pública não classificada, razão pela qual se impõe o conhecimento do presente por força do inciso I do art. 16 da Lei 12.527/2011:

Art. 16. Negado o acesso a informação pelos órgãos ou entidades do Poder Executivo Federal, o requerente poderá recorrer à Controladoria-Geral da União, que deliberará no prazo de 5 (cinco) dias se:
I - o acesso à informação não classificada como sigilosa for
negado;
B – Do Mérito

16. O objeto do recurso sob análise estende-se pela totalidade do pedido original, visto que o órgão não agiu no intuito de apresentar resposta satisfativa até o início da instrução do presente. Entretanto, a superveniente manifestação do MRE, consignada no § 11 deste parecer, impõe avaliação da capacidade responsiva do órgão a fim de averiguar a subsistência do objeto do recurso.

17. Havendo o órgão respondido acerca do número de auxiliares locais contratados naquele posto de forma desagregada como solicitado à questão ‘a’; havendo o órgão apresentado tabela com o valor da remuneração de cada cargo/função desempenhada por tais auxiliares, conforme solicitava a questão ‘b’; havendo o órgão respondido inexistir diferença salarial entre os agentes que ocupam um mesmo cargo/função, em resposta às questões ‘c’ e ‘d’; e, por fim, havendo o órgão respondido inexistir reajuste salarial desde o ano de inauguração daquele posto, em resposta às questões ‘e’ e ‘f’, parece-nos claro que a demanda inicial foi respondida em sua integridade.

18 Diante de tais fatos, resta prejudicado o recurso em razão da perda de seu objeto, razão pela qual deva o feito ser extinto, fulcro no art. 52 da Lei 9.784/1999.

III – CONCLUSÃO

19. Diante do exposto, opino pelo conhecimento do presente recurso, para declarar-lhe perdido o objeto ao longo do procedimento instrutório junto à CGU. 20.

À apreciação do Sr. Ouvidor-Geral da União."

13/02/2014 – Data da decisão pela CGU

144 dias após ter sido apresentado pedido de informação, o processo é encerrado com decisão do Ouvidor-Geral da União:
"D E C I S Ã O
No exercício das atribuições a mim conferidas pela Portaria n. 1.567 da Controladoria-
Geral da União, de 22 de agosto de 2013, adoto, como fundamento deste ato, o
parecer acima, para decidir pela perda do objeto do recurso interposto, nos termos do
art. 23 do referido Decreto, no âmbito do pedido de informação nº 09200.000620/2013-
90, direcionado ao Ministério das Relações Exteriores-MRE.
 José Eduardo Romão
OUVIDOR-GERAL DA UNIÃO"

145º dia 

14/02/2014 – Data do registro da decisão no Sistema de Acesso à Informação


Com a publicação no e-SIC, a requerente é informada por e-mail e obtém o Parecer da CGU.


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